Entrar no Citroën Survolt é um pouco voltar à infância para brincar de kart ou de carrinho bate-bate. O cupê de 1,20 m de altura tem um assento pequeno e pouco espaço interno. Seu projeto, feito para acomodar as volumosas baterias, torna necessáriio fazer uma certa ginástica para se acomodar ao volante. O cinto, com quatro pontos diferentes de fixação e sem opções de ajuste, fica bem apertado para qualquer um que não seja como o piloto de testes da marca (1,60 m e não mais de 60 kg). Há apenas dois pedais: acelerador e freio. “E não aperte os dois juntos!”, avisa o piloto francês. No entanto, depois que as portas verticais do esportivo se fecham, a brincadeira é de gente grande.
Os 300 cavalos dos dois motores elétricos combinados impressionam. Mal o acelerador é tocado, o torque (44,9 kgfm) está todo ali. Em cinco segundos, chego a 100 km/h e sinto uma sensação agradável de ficar cada vez mais colado ao banco, sem nenhuma troca de marchas. Olho para o marcador de velocidade, uma barra horizontal, e parece que estou pilotando um daqueles antigos simuladores de fliperama, no modo “easy”. O circuito de testes da marca, a uma hora e meia de Paris, não tem retas longas, e por isso não passamos de 180 km/h. O desempenho até ali, no entanto, faz com que seja fácil acreditar nos 260 km/h de velocidade anunciados pela Citroën.
Minha expectativa de silêncio — afinal, estou num carro 100% elétrico — é quebrada por um barulho altíssimo. Quanto mais fundo piso no acelerador, menos consigo ouvir o que o piloto de testes ao lado me diz (e, na verdade, menos me importa). Os ruídos, segundo o engenheiro da Citroën Daniel Bertrand, se devem à transmissão. “Para atingir essa potência e proporcionar uma situação de corrida, tivemos de fazer engrenagens mais robustas, o que leva a esse som agradável”, gritou. “Agradável” apenas para quem gosta muito de velocidade. Mas, cá para nós, os que não gostam não têm nenhum motivo para passar perto do Survolt, praticamente um carro de corrida.
Ao tirar o pé do acelerador, dá para perceber que o barulho não vem apenas do câmbio. A estrutura do carro também é ruidosa ao passar pelas ondulações da pista, embora o freio, que usa sistema de recuperação de energia para as baterias, funcione muito bem. Outro pequeno problema é que, nas retomadas das curvas de baixa velocidade, o carro ainda dá algumas pequenas engasgadas até o motor retomar sua potência. Nada disso, no entanto, compromete a experiência de dirigi-lo. O design do carro é o ponto forte. Com chassi tubular de fibra de carbono, tem curvas agressivas e de bom gosto. Pesa apenas 1,1 tonelada, sendo que 280 kg são só das baterias - elas levam dez horas para carregar numa tomada caseira ou duas horas com equipamentos especiais disponíveis em eletropostos
SUSTENTÁVEL?
Como todo o carro elétrico, o Survolt é anunciado como um produto ambientalmente correto. O que faz sentido, e também não faz. Faz sentido se considerarmos que a empresa cogita transformá-lo em um veículo para atuar em competições, como o famoso Campeonato Mundial de Carros de Turismo (WTCC). A máquina já deu o ar da graça durante uma volta na última edição do tradicional circuito de Le Mans. Não tenha dúvida de que ali, perto dos outros motores a combustão na pista, o automóvel da Citroën teria uma vaga num “céu sem CO2”.
Por outro lado, o Survolt pode ser considerado um elétrico beberrão. A autonomia, no modo “normal”, é de 200 quilômetros. Suas duas poderosas baterias de íon de lítio (uma no chão e a outra na parte traseira), de 31 Kwh, gastam o dobro da energia por quilômetro rodado se comparado a um veículo como o Nissan Leaf, por exemplo (avaliado nesta edição).
Isso significaria, de acordo com cálculos da ONG Iniciativa Verde, uma quantidade de dióxido de carbono não muito diferente da emitida por um carro convencional a diesel ou a gasolina nos Estados Unidos. Preparado para uma pista de corrida, entretanto, o carro consegue rodar apenas 25 quilômetros com uma carga, o que, de acordo com os mesmos cálculos, faria com que qualquer carro a álcool no Brasil produzisse metade do CO2.
Não há estimativa sobre o preço de produzi-lo em série. Antes é preciso fazer alguns ajustes como o resfriamento da bateria em situações de competição, por exemplo. Hoje, as baterias suportam 20 minutos de trabalho intenso – o que é considerado um avanço para carros elétricos, mas ainda um obstáculo para sua comercialização. “Este carro para nós é um laboratório. Vamos ainda refletir sobre um motor mais potente e sobre um mecanismo para apenas trocar as baterias em uma parada para abastecimento, por exemplo. Gostaríamos de ver cerca de 20 deles participando em uma corrida, mas não sabemos se um dia ele chegará a ser produzido em série”, diz Daniel Bertrand. Se for, certamente será uma brincadeira bem cara. Viagem a convite da Citroën.
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